quinta-feira, 8 de março de 2012

Crônicas Cinzentas - Fagorn, o Paladino [Parte 03]



Continuação...

Em seus sonhos, Fagorn vivia aventuras em terras distantes. Cavalgava um grande garanhão, como aquele que o estranho visitante montava. Era imponente e respeitado, com armadura reluzente e espada embainhada. Cruzava os campos verdejantes do oeste, cujas histórias de seus mestres ilustravam como os mais verdes da terra. O vento, macio e agradável, acariciava seu rosto com uma leve brisa. O sol era ameno, como em uma tarde de primavera.

Ao longe, ele avistara uma grande árvore com frutas por toda sua extensão. Não sabia que tipo de frutas era, mas sua beleza esplendorosa garantia um sabor magnífico, antes mesmo que pudesse vê-las de perto.

Observou a árvore por alguns instantes de longe, mas logo, quase que instintivamente, cavalgou mais rápido na direção dela, para que pudesse vislumbrar melhor sua imponência. A imagem do firme tronco e de suas folhas verdes e largas, crescia em sua frente a cada galope e enchia seus olhos de beleza e seu coração de esperança. Aquilo era mais que somente uma árvore em seu íntimo, representava suas raízes, todo seu aprendizado. E lá estava Fagorn, tranquilo e sereno.

Subitamente uma sensação diferente toma sua atenção de assalto. O cavalo interrompe seu caminho e hesita por um instante. Os olhos do aprendiz procuram no céu a explicação para aquele sentimento de aflição. E sem demora, uma bola de fogo de dimensões titânicas corta o céu como um meteoro incandescente, em uma velocidade inacreditável, deixando um rastro de fumaça que manchava a imensidão azul.

De forma abrupta e violenta, a grande bola de fogo acerta a magnífica árvore causando uma grande explosão. O impacto fizera Fagorn e seu cavalo tombarem em um baque súbito no chão estremecido. Um cogumelo de fumaça e cinzas brotou de onde antes apenas a beleza daquela grande árvore podia ser vista. A imagem era tão pavorosa que o aprendiz se negou a olhar até entender que era preciso.

A fumaça trouxe com ela o odor da destruição e uma chuva de cinzas, pedaços de madeira e folhas queimadas. Em poucos segundos, todo aquele esplendor deu lugar a um mundo cinza e quente. Fagorn não podia ver direito o que havia acontecido então, movido por uma mistura de medo e indignação, levantou-se tentou avançar. Não sabia o que podia ou precisava fazer, mas sabia que devia fazer.

Em poucos segundos e alguns passos a frente, pode avistar a mais tenebrosa das imagens que teria visto até então. A esplendorosa árvore que representava o que ele conhecia e acreditava estava partida ao meio e tomada pelas chamas. Labaredas gigantescas cobriam até o ponto mais alto dos galhos, transformando aquilo em uma fogueira gigante.

Imóvel, o aprendiz observava tudo com um nó na garganta. Logo, percebeu que além da aflição, a fumaça era densa demais ali e aquilo o estava sufocando. Mal podia respirar quando se deu conta que o fogo também avançava sobre ele e o calor já estava quase insuportável. Antes que pudesse fugir, uma enxurrada de sentimentos o derrubou, deixando-o de joelhos, indefeso e impotente. Tentou se levantar, mas não pode. Estava tonto pelo calor que aumentava cada vez mais e sem fôlego, pela fumaça e cinzas que inspirava e já faziam seu nariz sangrar.

No instante final, quando tudo parecia perdido e a imagem que lhe restara era do fogo consumindo tudo o que tinha, um novo estrondo e um impacto em seu ombro o despertaram. Finalmente, o aprendiz fora liberto daquele terrível pesadelo, tão real que ainda podia sentir o forte calor e o cheiro das cinzas.

- Vamos garoto! Não há muito tempo.

A voz grave e rouca, desconhecida por Fagorn o fez saltar e cair sentado do monte de feno onde havia adormecido. Seus olhos custaram a acreditar no que via. O cavaleiro que tivera resgatado no inicio da noite estava ali, estava de pé a sua frente. Vestindo aquela poderosa armadura, com semblante firme, porém aflito.

- Melhor se apressar se quiser viver!

Havia muitas perguntas que Fagorn gostaria de fazer à aquele guerreiro, que fitava com admiração, mas todas foram rechaçadas após sua última frase.

O que ele quer dizer com...


Seu raciocínio não pode ser concluído devido um ataque de tosse pelo que foi acometido. O odor de cinzas era predominante e havia fumaça por todo o celeiro. Tudo começava a fazer sentido na jovem mente do aprendiz.

- O que? O celeiro está em chamas?

Havia um incêndio no celeiro, claro. Isso explicaria todo aquele sentimento em seu sonho. Uma reação inconsciente a um problema real. Aquilo o tranquilizou quando ao sonho, mas o pôs de pé, assustado e alerta. Afinal, tinha que ser rápido para conseguir conter as chamas e evitar qualquer tipo de estrago. Como poderia explicar algo assim aos mestres do monastério?

O cavaleiro se afastou enquanto Fagorn correu até a porta celeiro. Porém, a pouca luz o fez tropeçar em algo e cair, chocando o rosto ao chão. Enquanto ainda esbravejava notou que, o que o derrubou foi um corpo inerte no chão. A silhueta de um homem de bruços ali provocou um impacto assustador e o fez rastejas para atrás, onde havia outros dois corpos. Com certeza, uma experiência muito aterrorizante para alguém tão jovem. O terror do menino foi ainda maior quando pode identificar que um deles estava decapitado.

Na verdade, os corpos tinha membros faltando. Braços e pernas estavam dilacerados e espalhados pelo lugar. Olhando pelo local, ainda muito nervoso, Fagorn pode identificar cinco corpos ao todo. Assustado e acuado em um canto do celeiro, o aprendiz não consegui se mover.

- Venha comigo! Vamos...

A voz rouca novamente desperta Fagorn, desta vez do choque causando pelo espanto daqueles cadáveres. O cavaleiro, com uma das mãos, ergueu o jovem aprendiz, tomando pelo braço o colocando de pé. Apesar de não haver nenhum foco de chamas ali dentro, existia muita fumaça uma luz forte era emanada do lado de fora.

O celeiro não pegou fogo... Alguém tentou incendiá-lo.


Em meio a seus devaneios, Fagorn notou que o cavaleiro estava alerta, de espada em punho. A lâmina possuía as marcas do combate que houvera ali. Estava coberta de sangue, possivelmente dos corpos que estavam pelo chão. Caminharam juntos, rapidamente até uma porta lateral que dava acesso a um lago, onde havia um pequeno bote com remos e posteriormente a um bosque.

- Garoto me ouça. Quando eu der o sinal, você corre até aquele bote, sem olhar para trás. Reme até o outro lado da margem, corra por uma hora e depois se esconda.

Por um instante, o aprendiz desconfiou do cavaleiro e o desafiou.

- Não, precisamos ir ao mosteiro, lá estaremos seguros. Meus mestres vão nos ajudar.

O cavaleiro dispara um olhar firme, porém piedoso para com o aprendiz. Nenhuma palavra fora proferida, mas era como se uma cruel realidade fosse revelada da forma mais cruel possível.

Foi inútil para o cavaleiro, tentar conter Fagorn, que passou por ele abriu as portas e viu a árvore de sua vida em chamas, mas dessa vez não era um sonho. O monastério estava tomado por chamas intensas e gigantescas labaredas, que se erguiam muito acima do telhado do lugar. Uma cena terrível. As paredes ardiam como em uma grande fornalha.



Nesse momento, Fagorn se ajoelhou e chorou. Como nunca tivera feito em toda sua vida e nunca mais viria a fazer. Nascia ali, em sua maior dor, o sentimento que guiaria suas ações daquele instante até o final de sua vida.

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Este é o penúltimo capitulo que conta a origem do Paladino Fagorn, um dos heróis das Crônicas Cinzentas.